Estava determinada a publicar este texto no dia do meu aniversário de trinta anos, dia 1ª de janeiro de 2025. Falhei deliberadamente: ainda ontem, o último parágrafo estava “pendurado” e o texto todo precisava de uma revisão, mas decidi comemorar meu trigésimo verão sem pressa por qualquer coisa, priorizando o prazer de escrever neste espaço.
(A quem interessar possa, ainda estou aceitando parabéns)
Desde a virada dos vinte e nove penso sobre o que escreveria quando esse dia chegasse. No decorrer do ano e, de modo mais intencional, nos últimos dias, ensaiei listas de dez, vinte, trinta coisas que gostaria de ensinar aos meus filhos, coisas que aprendi entre os vinte e os trinta anos, etc e achei tudo meio forçado - talvez porque, em partes pelo histórico narrado na última edição (sobre coaches, influencers e daddy issues), tenho grande dificuldade de sair cuspindo regras para a vida de outrem sem que seja sucedida por um “depende”, “mas veja bem…”, “tem de ver caso a caso”.
Decidi, no entanto, tecer algumas considerações sobre a última década e tentar alinhavar os aprendizados, que espero serem de alguma serventia. Para mim, o exercício de escrevê-los foi um presente. Confirmei, enfim, uma impressão que já acalentava desde que comecei a meditar sobre o tema: nada de crise por aqui. Considero, na verdade, que se meus filhos estiverem satisfeitos como eu aos trinta anos, tomarei por realizado meu desejo de que sejam felizes, quaisquer sejam seus caminhos.
Das redações às fraldas, e sabe Deus para onde mais.
Tenho viva memória do meu aniversário de vinte anos. Estava no Porto, em Portugal, um tanto deprimida de frio e de saudade, mas felicíssima e empolgadíssima com a “nova década”. Naquele mesmo ano (2015), pisei pela primeira vez em uma redação de jornal - especificamente, no jornal carioca O Dia -, no estágio que me abriria as principais portas da minha carreira.
Foi trabalhando na revista Veja, onde ingressei no ano seguinte, que, convivendo com um editor exatamente dez anos mais velho e tido como um dos nome promissor do jornalismo carioca, desenvolvi certa obsessão com o que as pessoas que eu admirava estavam fazendo aos trinta anos. Sempre que via um grande jornalista na TV, um escritor de sucesso, um comunicador talentoso, tratava logo de descobrir sua idade e onde estivera aos trinta anos. Um exercício francamente ansiogênico, arbitrário e inútil. :)
Algumas histórias me causavam certa preocupação: um ou outro Fulano que, aos vinte e nove, já fora multipremiado e multiendinheirado. A maioria, porém, me reconfortava: não eram tão melhores do que a minha. Aos vinte e poucos, eu era repórter no que outrora foi a maior revista do país e que, embora já não vivesse seus áureos tempos, ainda era um grande cartão de visitas. Eu assinava capas, entrevistava gente importante, viajava pelo Brasil e cobria eventos internacionais ao lado de concorrentes muito experientes. Colecionava histórias e causos invejáveis para a pouca idade. Quando deixei a revista, havia recebido, há poucos meses, meu primeiro aumento substancial de salário - o aumento que me possibilitou organizar meu casamento. Não me parecia irracional pensar que aos trinta, quiçá trinta e poucos, talvez fosse, finalmente, uma grande jornalista.
Vale dizer que, enquanto estive na Veja, apostei muitas fichas na minha carreira: desde estagiária, chegava bem antes do horário; virava noites na redação (muitas desnecessárias), viajava por conta própria para apurar in loco. Mais à frente, voltarei às considerações sobre essa fase, mas adianto que, apesar de ter tomado caminhos muito distintos, nunca me arrependi de tamanho esforço. A despeito do frenesi, eu amava o que fazia.
Em meio à pandemia, a poucos meses do casamento, um salto inusual: troquei meu emprego de grife por um cargo de editora na Gazeta do Povo, um jornal digital paranaense que há poucos anos se tornara um veículo conservador. Não pretendo, leitor, me aprofundar nos motivos que me levaram a sair da revista. Sim, tem algo a ver com os valores, as coisas importantes, e tudo mais. Mas não só. Repito que fui muito feliz na Veja e, depois, na Gazeta. E se a coisa toda tivesse a ver só com, sei lá, trabalhar em um jornal contra o aborto, eu não teria deixado as redações - nas quais guardo grandes amizades, sobretudo com meus ex-chefes.
Para cumprir o propósito desse texto, porém, devo registrar que propositalmente troquei uma rotina frenética de poucos horários fixos por um emprego homeoffice, com expectativas de destaque mais modestas. E foi assim que, durante meu primeiro ano de casada (2021), vivi uma vida maravilhosamente pacata: escrevia para o jornal e comandava um delicioso podcast à minha maneira, malhava três vezes por semana e trabalhava no primeiro capítulo do mestrado. Em janeiro de 2022 descobri a gravidez da Aurora e, por volta das trinta semanas de gestação, depois de tirar minhas últimas férias antes do parto, voltei ao trabalho segura de que não queria mais ser jornalista stricto sensu. Eis um assunto que vale um texto inteiro mas, se eu tiver de resumir o motivo em uma linha, diria: para mim, é absolutamente insalubre viver pesquisando, descrevendo, chafurdando, apontando e fingindo encontrar a solução para tudo o que há de errado com o mundo.
Deixei a Gazeta ao final da licença-maternidade para trabalhar na Quadrante, uma editora católica bastante tradicional e com um catálogo que, a sério, penso ser um dos melhores do país no que diz respeito à formação religiosa. Vivi um ano bastante desafiador, potencializado pela retomada do mestrado - agora com um prazo curtíssimo - e, principalmente, pela hercúlea tarefa de conciliar trabalho e maternidade pela primeiríssima vez. Encerrei o ano exaurida, sem qualquer gana para traçar quaisquer propósitos para 2024, exceto o de concluir o bendito mestrado. Deu certo, e fiz um pouco mais: comecei o segundo semestre trabalhando para o Family Talks, uma ONG pequena, com a qual entrei em contato pela primeira vez ainda em 2022, quando comecei a considerar a sério uma transição de carreira, e que me encantou precisamente por oferecer uma raríssima combinação de apreço pela família, pelos valores, etc mas sem a obsessão cafona e modorrenta com a guerra cultural.
Eis, caros leitores, o cenário profissional no qual comemoro trinta anos de idade: trabalho de casa, durante meio período, com eventuais dias de pico. Faço freelas quando necessário, e finalmente sou mestre em Ciências da Religião, ainda que meu currículo Lattes acredite que sou bolsista PIBIC. Fiquei feliz de ter feito o mestrado, mas, por ora, não tenho planos de me dedicar à carreira acadêmica. Na verdade, atualmente, não tenho tempo: quando não estou trabalhando, estou com a minha filha, de quem faço questão de ser a cuidadora primária. Consigo manter uma rotina razoável de exercícios e de escrita, via de regra preciso trabalhar um pouco aos finais de semana, mas sempre há tempo para ir à praia ou visitar a família. Ganho menos do que projetava no começo dos vinte, e não o digo como uma reclamação: entendo como resultado da minha opção por uma vida menos acelerada. Se não fizesse questão de passar boa parte do meu dia com a Aurora, de dormir o necessário e de ter alguma (ainda que relativa) previsibilidade no meu dia, talvez estivesse ganhando mais dinheiro. Por ora, sinto que fiz um bom negócio.
A respeito dos tempos insanos de redação, preciso fazer uma ressalva: eu, de fato, trabalhava muito, e buscava fazer muito além do que esperado para uma estagiária ou repórter iniciante. Tinha gana de impressionar meus chefes e “fazer meu nome”, e realmente acredito que muito do que colho profissionalmente ainda hoje tem a ver com estes anos tão intensos. Isso não implica, contudo, na crença de que se deve, a qualquer custo, fazer de tudo pelo trabalho, sobretudo em contextos de exploração, desrespeito à vida pessoal, etc - demasiadamente corriqueiros. Com relação à minha própria trajetória, penso ter “dado o sangue” pela carreira no momento certo: quando podia, quando me cabia, quando sentia o retorno era proporcional ao meu esforço. (Aliás, no jornalismo, tive chefes muito diferentes, com defeitos e qualidades distintos, mas posso afirmar com segurança que todos apostaram em mim e reconheceram meu trabalho.) O que eu diria para um - ui - jovem, para uma irmã mais nova, para a Aurora e para o Afonso hoje seria algo na linha: trabalhe duro, trabalhe a sério, tenha vontade de aprender, de servir, de produzir, de ser bom. Sacrifique horas de sono quando necessário, engula uns sapos, mas tenha por meta desenvolver a parcimônia, e a seu tempo - com os boletos, os cansaços, as vitórias e as tragédias - ela virá. Não existe receita pronta para identificar qual emprego ou projeto vale menos horas de lazer, menos tempo em família, etc - e eles existem, sim, sobretudo quando subordinados a perguntas como: “por que? Por quanto tempo?”. Inevitavelmente, volto à minha teima contra vaticínios: tudo tem de ser avaliado.
Tanto creio na necessidade de se desenvolver as próprias medidas para equilibrar pratinhos que, conversando com o marido sobre metas para 2025, não deixei de comentar um desconforto que, vez ou outra, emerge entre meus pensamentos: a sensação de estar algo perdida, algo dispersa, no tocante às minhas ambições profissionais. Comecei meus vinte anos certa de que queria trabalhar na TV ou chefiar um grande veículo, escrever grandes reportagens, ser publicamente reconhecida pela minha atuação como jornalista. Hoje, não tenho certeza de mais nada. Ainda que um pouco incomodada, porém, não posso me dizer infeliz. Contemplo minha insatisfação sem qualquer ressentimento: considero-me sortuda por, na trajetória entre os vinte e os trinta anos, ter alcançado alguma clareza quanto ao que não quero fazer, o que não consigo tolerar, e o que considero verdadeiramente inegociável, além da certeza de que a coisa mais importante que conquistei em trinta anos foi a minha família.
É justo que custe muito…
A ressalva a seguir deve ser enquadrada também no contexto do primeiro entretítulo, mas há que se dizer que sou uma pessoa bastante afortunada. Nasci em uma família de classe média, estável e amorosa. Estudei em uma boa escola particular e, depois, em uma universidade pública, e contei com auxílio financeiro dos meus pais até ter minha carteira assinada pela primeira vez. Casei-me com um homem que dispôs dos mesmos recursos e cujos pais hoje nos ajudam sobremaneira. Minha sogra é minha principal rede de apoio, uma rede que funciona qual as instaladas aos pés de um trapezista: sem ela, o tombo seria infinitamente pior. Não tenho dúvidas de que minha vida dos sonhos em uma agradável e cara cidade litorânea seria muito diferente - ou mesmo inviável - sem essas circunstâncias.
Recuso-me a falar em “privilégios” porque não é como se usufruísse indevidamente de uma condição injusta da qual tenha que envergonhar ou - Deus me livre - pedir desculpas, e mantenho esse parágrafo de ressalva não por apreço aos maneirismos politicamente corretos, mas pelo que espero ser um senso de realidade: se a sanha dos disclaimers por toda parte é um saco (e um atentado contra a boa escrita, rs), a ilusão da autossuficiência é pior. Em os palavras: devo muito da satisfação com meus trinta anos e da própria existência da minha família a pessoas que vieram antes de mim, pessoas cujas escolhas e sacrifícios me permitiram usufruir de uma boa vida.
Aos fatos, enfim. Sou casada há quatro anos com meu namorado de ensino médio, de quem roubei um beijo em uma tarde quente de novembro, no longínquo 2011. Por pura Providência, mudamos ao mesmo tempo para Niterói: ele para cursar Administração na FGV e eu Jornalismo na UFF. Enquanto eu morava em repúblicas de qualidade altamente questionável, quartos alugados de senhorinhas e pensionatos de freiras com mais quarenta meninas, ele morava com o pai que, todo fim de semana, voltava para casa em Lorena. Continuei em Niterói por um ano depois da formatura e me mudei para Copacabana, onde vivi até o Ano da Graça de 2020 - ano em que ficamos noivos e vimos nossos planos de fazer uma festa para cento e vinte pessoas irem por água abaixo, transformando-se em um modesto mini-wedding para cinquenta, decisão da qual nunca me arrependi, sobretudo porque, depois de quase nove anos de namoro, adiar nossa vida a dois não era uma opção.
A quem interessar possa, enfim, a primeira “lição” que aprendi sobre relacionamentos, muito a contragosto (especialmente por ser o tipo de coisa que todo mundo sabe, te avisa, e você revira os olhos…): namorar por muito tempo, via de regra, é uma droga. Nesse sentido, preciso dizer que, à parte do que é devido à Providência, atribuo muito do sucesso do meu relacionamento ao fato de eu e Guilherme termos cultivado vidas suficientemente independentes ao longo desses anos (condição que, é claro, foi alterada com o casamento). Ter construído minha carreira, minhas amizades, ter viajado e passado finais de semana flanando sozinha pelo Rio, em contraste com o típico casal adolescente que se enfurna na casa do namorado, foi essencial para que 1) evitar parte do desgaste típico de namoros excessivamente longevos e 2) tornar nosso casamento uma experiência distinta do namoro. Ao todo, estamos há treze anos juntos, e eu realmente sinto que os últimos quatro, longe de serem uma mera extensão do ensino médio, foram como que uma aventura paralela. Mudamos tanto, inclusive, que costumo dizer que é quase como se não me sentisse casada com o recém-namorado de 2011, ou com meu companheiro de intercâmbio de 2014, ou mesmo com o quase-noivo do final de 2019. Tudo é quase como novo, e se é verdade que o Sacramento do Matrimônio é grande canal de graça, considero essa uma das mais caras.
Um segundo comentário sobre a construção da minha família - que, a bem da verdade, soa aos meus próprios ouvidos quase como uma contradição, e espero conseguir desmenti-la. Mais de uma vez, ouvi de conhecidos e parentes que tive muita sorte de encontrar um “bom partido” de primeira, tendo sido poupada da penúria de encarar um milhão de decepções e fracassos até conhecer o pai dos meus filhos; e que, portanto, não seria apta a falar qualquer coisa sobre relacionamentos. Em certa medida, é claro, é verdade: as amigas bem sabem que posso não ser a melhor conselheira para idas e vindas, causos e Tinderellos, porque minha experiência é escassa. Por outro lado, não consigo não me recordar de uma conversa recente entre meu cônjuge e minha irmã caçula, recém-casada com um namorado da adolescência, também após um longo namoro. Falavam sobre uma pequena celeuma que ela e o marido (então noivos) enfrentavam à altura, e sobre o fato de que minha irmã, como eu, fora acusada de “não entender nada sobre relacionamentos”, por estar com um mesmo parceiro há tempo demais. Ao que Guilherme, sempre notoriamente sucinto, retrucou: “É impressionante como as pessoas pensam que estar em um relacionamento de longo prazo é questão de sorte”. Como se não envolvesse, vez ou outra, aturar bons dois ou três dias de cara amarrada. Como se não houvesse, dã, renúncias.
Discorrer sobre as infinitas intempéries que envolvem a vida a dois tomaria um texto que dificilmente daria conta do recado - deixo-o para psicólogos e romancistas. O ponto é que, se posso me orgulhar por ter construído uma família, faço-o com gratidão por ter compreendido, há muito tempo, o valor de se lutar por alguém. O valor de lutar por um amor para uma vida. E que, fazendo coro ao famoso adágio carmelita, “é justo que custe muito o que muito vale”. Reforço que fui muito agraciada por encontrar, nas carteiras do Colégio Objetivo, um cara honesto, leal, disposto a construir uma família, etc. Mas também é verdade que enfrentamos até hoje nossa boa cota de conflitos, diferenças de temperamentos e tudo mais, de modo que, se estivéssemos imbuídos das neuroses contemporâneas que em tudo enxergam privações e desperdício de juventude, ou ainda da sanha católica cafonerésima de encontrar um José ou uma Maria, Aurora e Afonso certamente não existiriam (a título de curiosidade: meu marido sequer se considera católico. Teria sido limado há muito tempo se eu fosse tarada por encontrar um rezador de terço).
Eis porque considero que minha maior conquista, o verdadeiro patrimônio que conquistei nesses trinta anos foi a minha família. E, do fundo do coração, leitor, digo-o como quem tem grande apreço pelo trabalho, pela carreira, por certos marcos exteriores que podem circundar ou vir alheios à vida familiar (pagar as próprias contas, estudar, viajar, enfim). Todas essas coisas importam. Mas quaisquer dúvidas que eu tenha a respeito do meu futuro profissional sucumbem à certeza de me deitar todos os dias com alguém que comprovadamente conhece minhas piores inclinações e, ainda assim, escolheu estar ao meu lado. Não há estabilidade mais preciosa, nem certeza mais reconfortante. Do mesmo modo, quaisquer incertezas sobre o sentido da minha vida ou os projetos no quais sou chamada a empregar os meus talentos não gritam mais alto do que Aurora às cinco da manhã, quando me chama para me informar que está “muito fi-iz (feliz)”. Não é que meu marido e meus filhos preencham, de todo, minha sede por propósito: antes, operam como uma âncora, como pedras angulares a garantir que todo o resto tenha sustento. Quando há dúvidas sobre as outras áreas, salvo-me na ciência de que todo esforço para ser boa esposa e boa mãe estão sendo bem empregados.
Tremendas trivialidades.
Além das “grandes questões” que se impõe perante os marcos de vida, idade etc, tenho pensado sobre um tanto de coisas que, espero, hão de render assunto neste espaço, e que foram catalisadas com a chegada dos trinta. O fato de que haja mulheres mais novas do que eu incomodadas com linhas de expressão, por exemplo, aluga um triplex na minha cabeça. Não é que eu seja contra quaisquer procedimentos estéticos, e Deus sabe o quanto valorizo minha rotina de cuidados com a pele, mas, conforme noto minhas próprias linhas de expressão nas fotos, assusto-me não com os sinais de envelhecimento, mas com o quão opressivos são - eles mesmos - os famigerados padrões de beleza.
É verdade que o vigor da juventude sempre terá sua graça ímpar e sou da opinião de que protestar contra essa verdade implacável é mera burrice. Mas não consigo deixar de me indignar com a ideia de que a cultura contemporânea tenha tão pouca tolerância a um processo natural e inevitável e que, como bem se sabe, costuma sair mais caro para as mulheres, sobretudo para as que, como eu, decidem dispender seus melhores recursos - tempo, energia, saúde - para gerar outra vida. Desde as primeiras semanas, noto que segunda gravidez me custa mais do que a primeira: não consigo ir à academia com a mesma frequência, as dores começaram mais cedo, ganhei peso mais rápido (e prevejo que terei mais dificuldade para perdê-lo) e, enquanto escrevo este parágrafo, penso se é razoável falar em “quando” meu corpo voltar ao normal, em vez de “se”.
Nesses momentos, qual um inusitado grilo falante, recordo-me de uma entrevista que fiz para a Gazeta do Povo com a socióloga e ativista feminista Gail Dines, em uma matéria sobre a pornografia disseminada pelas divas do pop. Não me lembro qual foi a pergunta específica, mas há de ter sido sobre o motivo pelo qual se deve lutar contra a ostentação constante e despudorada de corpos jovens, magros e imaculados. “First of all, you’re gonna age”, Dines me respondeu. À época, eu tinha vinte e seis anos e, embora já refletisse vagamente sobre o assunto, a coisa não me parecia real: ainda era capaz de virar uma madrugada trabalhando e ir à academia em perfeitas condições no dia seguinte. Não saberia explicar o porquê, mas a frase - uma indubitável obviedade - me caiu como uma bomba. Em um segundo, pensei em todas as esposas (em sua maioria, mães de filhos pequenos) dos homens comprometidos que já me cortejaram, de modo mais ou menos velado, e cujos elogios me inflamaram o ego juvenil. Sim, leitor, a bronca que ignorei das mães católicas, das leituras espirituais sobre orgulho e modéstia e similares, ouvi de uma socióloga marxista com toda a pompa de uma caminhoneira e assenti envergonhada. Ainda hoje, é o sotaque britânico de Gail Dines que irrompe minha consciência sempre que combalida pela vaidade. “First of all, you’re gonna age…”
Há que se dizer, contudo, que não tenho medo de envelhecer. Com sete anos, o número trinta e nove me parecia muito grande. Hoje, pensando que com essa idade minha mãe foi chamada para junto de Deus, me dou conta de que fazer quarenta, cinquenta, cem anos, é um senhor privilégio - consciência esta aprofundada pelo diagnóstico da minha irmã, que sofre de uma doença neurodegenerativa rara e grave. Cada dia a mais é pura Graça, e sempre que tiver de responder ao gracejo comum aos que fazem anos - “ você está ficando velho!” - pretendo fazê-lo a exemplo do meu amado pai: “se Deus quiser, vou ficar ainda mais”.
Feliz 2025!
(Se você chegou até aqui, me dê um presente de aniversário e faça uma oração pela Maria Thereza.)
Alguns links:
A matéria na Gazeta sobre como as divas pop normalizaram a pornografia no cotidiano.
Adoro ler seus textos, Maria, muitas vezes por me darem uma perspectiva muito diferente da minha - e que assim deve continuar por muitos mais anos porque, se Deus quiser, vamos ficar ainda mais velhos juntos!
Mas nessa edição temos algo em comum: a inquietude sobre a carreira e o “estar perdido” no que fazer a seguir. Tenho pensado bastante nisso nos últimos tempos, e cheguei a mesma conclusão que você. Posso estar perdido, posso ter sentimentos mistos sobre o que faço hoje e como evoluir, mas pelo menos sei claramente o que não quero fazer. Isto por conta da minha própria experiência nos últimos tantos anos nessa industria vital.
Feliz aniversário mais uma vez, e seu presente será dado conforme pedido 🙏🏼
Ainda bem que no seu caso o seu casamento misto deu certo, mas estes tendem a ser mais complexos embora eu não saiba o quanro seu esposo tolera certos aspcetos da doutrina da igreja.